26.8.10

Detalhes singelos sobre o Universo do Direito Autoral

Em meio as discussões sobre as possíveis mudanças na Lei de Direitos Autorais, um detalhe povoa a minha mente e me tira o sono: Os ilustradores sentem todo o santo dia que muito mais empresas pagam e tratam melhor e destinam mais trabalho para empresas que ilustram do que pessoas físicas que fazem ilustração, exceto as empresas que já tradicionalmente trabalham com ilustração, como por exemplo as editoras; sendo que um ilustrador, ao abrir uma empresa terá, obrigatoriamente que “abrir mão” de ser autor, porque não fazer com que, através da LDA, seja permitido ao ilustrador abrir uma empresa responsável por gerenciar seus direitos, como um empresa destinada a gerenciar os Direitos de Autor de seus sócios?

Aí que a coisa ferve.

Não existe, até o momento, NENHUMA argumentação capaz de rebater essa pergunta.

Ao levantar esse questionamento no grupo de representantes de associações que redigiram o material a ser entregue a um representante do Ministério da Cultura, a advogada do grupo respondeu a seguinte coisa:

“Para esclarecimento de todos, autor sempre é (e será) uma pessoa física, pois uma pessoa jurídica não cria nada. Não pode haver confusão entre autor e titularidade. Autor é toda pessoa física que cria algo e titularidade é aquele que detém os direitos sobre esse bem. Assim, no caso de uma ilustração, a autoria da obra sempre é de uma pessoa física, que poderá ser o titular ou não dos direitos sobre a obra que criou. Por que? Porque o autor, pessoa física, pode transmitir essa titularidade a uma outra pessoa física ou a uma pessoa jurídica.

O que está previsto na lei autoral vigente e no artigo 2 do Anteprojeto de alteração da lei autoral NAO DEVE SER ALTERADO OU ACRESCIDO, pois no caput do artigo 2, foi mencionada a pessoa física, que como criadora, é titular dos direitos autorais sobre a obra criada e quanto à pessoa jurídica, embora não seja criadora de uma obra intelectual, pode DETER A TITULARIDADE de uma obra, a qual se dá por meio de contrato de cessão de direitos e em conseqüência, como titular, gozará da mesma proteção que a lei outorga aos criadores de obras intelectuais,ou seja, será detentora de todos os direitos sobre essa obra, inclusive os autorais.”

Isso significa para mim, que uma grande empresa de comunicação pode através da cessão de direitos negociar o meu trabalho, mas eu não posso. Ou então eu terei que, a cada trabalho que eu fizer, redigir um contrato de cessão de direitos para a minha empresa dando a ela plenos poderes para negociar o meu trabalho.

Será que está escrito: Babaca na minha testa?

Se a cessão realmente for acatada pelo Minc, como a MINHA empresa poderá ter poderes para negociar os direitos do MEU trabalho?

Aliás, se eu posso ceder os direitos de meus trabalhos cedendo eles por contrato, cada vez que eu realizar um contrato, porquê não criar um mecanismo automático para isso, como uma empresa, com código CNAE que faça isso automaticamente?

Eu sou o banana da história?

Desde que a Lei de Direitos Autorais entrou em vigor, aliás, desde antes disso, as empresas contratam “empresas” para realizar seus trabalhos de ilustração, quadrinhos institucionais, etc.

Por que essas empresas contratam empresas?

Porque empresas emitem nota fiscal. Uma nota fiscal relativo a uma história em quadrinhos institucional que custou R$ 25.000,00 entra na contabilidade de uma empresa numa boa, como se fosse a compra de equipamentos, móveis, etc. é encarada como uma aquisição ou investimento da empresa em benefício próprio.

Agora, um autor não emite nota fiscal. Curioso é que até aonde eu sei o único imposto que um autor não paga é ISS. O fato de não pagar ISS ao meu ver não é justificativa para não emitir nota fiscal. Na verdade um autor não emite nota fiscal porque ele não pode ser empresa.

Aí a mesma empresa vai aceitar apenas um simples recibo no valor de R$ 25.000,00 pelo mesmo trabalho? alguém acha que uma empresa vai conseguir justificar junto ao seu departamento fiscal que torrou essa grana com uma pessoa física?

Ao querer que um ilustrador tome a atitude de bater o pé para que a cada grande projeto que ele puder pegar a empresa que o contrate aceite apenas um recibo de pessoa física está forçando o mesmo ilustrador a perder o trabalho e o cliente para sempre. Estamos forçando o mercado a ser cada vez menos profissional. Os ilustradores se restringirão a fazer trabalhinhos menores, consequentemente que paguem menos, não conseguir manter uma estrutura profissional muito especializada e retroagir todo o seu processo profissional. Não haverá mais estúdios de ilustração, com estagiário, assistente de arte, secretária, etc. Somente será viável ser ilustrador se o mesmo trabalhar dentro de casa.

Esse é o caminho do profissionalismo? Esse é o caminho que os ilustradores precisam para serem profissionais com mais preparo para atender o mercado? Esse é o perfil que as empresas que contratam serviços de ilustração precisam e se sentem mais confortável de contratar um ilustrador?

Existe uma coisa chamada evolução. E o sistema adotado e pregado por advogados, juristas e “especialistas” na LDA, mas que não vivem dela, incentiva justamente o contrário.

Como querer que profissionais como nós sejamos cada vez mais profissionais, cada vez mais preparados, cada vez mais especializados se a principal forma de incentivar esse aumento de profissionalismo que é permitindo que autores abram empresas para gerenciar os direitos autorais de seus trabalhos de maneira que essa possibilidade não seja repleta de burocracia não é sequer levada em conta?

Agora, outra coisa que me tira o sono: por que uma grande rede de televisão pode negociar os direitos autorais de minhas obras e eu não posso ter uma empresa para isso?

Por que um grande grupo editorial pode negociar os meus direitos autorais e eu não posso ter uma empresa para isso?

Por que uma empresa de grande destaque no mercado de entretenimento tem poder para negociar as minhas obras e eu não posso?

Por que empresas que não tenham sequer sócios que sejam autores pode negociar direitos autorais e eu não posso ser sócio de uma empresa que negocie apenas os MEUS direitos autorais?

Será que o meu ponto de vista é absurdo?

Será que eu estou criando uma tempestade num copo d'água?

Por favor, se você que ler esse meu texto concordar ao todo ou em partes com as meus questionamentos, eu peço, encarecidamente que não deixe essa discussão morrer.

Continue a questionar, comigo e com outras pessoas, porque é de extrema importância que esse vácuo possa ser devidamente preenchido. Toda questão que não seja devidamente esclarecida pode ser utilizada contra o nosso benefício.

Nossos clientes poderiam utilizar os nossos trabalhos com muito mais qualidade se pudermos trabalhar como autores e empresas, poderíamos nos aprimorar em desenvolver soluções mais completas, trabalhos mais bem acabados não só em termos técnicos, artísticos, mas também mercadológicos, poderíamos desenvolver trabalhos mais especializados em questões pontuais de empresas e em questões pontuais para a sociedade.

Será que manter uma coisa por um princípio lógico que na prática já não se insere no dia a dia da maior parte dos ilustradores e que impede a capacidade de evolução de nossos profissionais seria legítimo?