24.11.06

Mitificação do Ilustrador

Outro dia, foi levantada a questão de que se os ilustradores se esforçassem para criar todo um clima de mitificação em torno da profissão, haveria uma chance dos problemas acabarem, pois assim os ilustradores não seriam tão desvalorizados.

Segue abaixo a resposta que eu dei a esse ponto de vista:

Eu sinceramente acho que somente a situação de quem desenha hoje é essa porcaria porque um dia, alguém a mitificou.

Um dia, uma turma de desenhistas, ilustradores e sei lá mais o que resolveram tratar desenho como uma coisa feita por seres iluminados, escolhidos por Deus para uma nobre missão na Terra.

Missão essa que conferia ao desenhista toda uma aura de divindade encarnada.

Muito se pagava a quem desenhava e muito se dependia desses seres "maravilhosos".

Acontece que desenhista é feito de carne e osso, como qualquer um, e assim como qualquer pessoa, tem seus defeitos.

Ao se ver um tipo de ser "Privilegiado", quase que uma criatura protegida pela necessidade básica que sem desenho não acontece no mundo, muitos desses "semideuses" utilizaram sua fama, fortuna, e grau enorme de dependência que as empresas de comunicação tinham por eles para deitar e rolar.

E faziam isso mesmo.  Quem nunca ouviu histórias da época de ouro dos ilustradores regadas a muita bebida, dinheiro e mulheres?  Quem nunca ouviu  as famosas histórias das surubas homéricas, orgias sem fim, casos de irresponsabilidade explícita de desenhistas para com seus clientes e suas famílias também?

Eu já ouvi histórias de arrepiar os cabelos do Tuco e do Grego ao mesmo tempo.

Agências com seus clientes cheios da nota dependo seus trabalhos nas mão de irresponsáveis que saíam para tomar um "lanche" à noite e voltavam seis horas da manhã acompanhados de prostitutas nos estúdios, isso quando voltavam, e geralmente deixavam os clientes literalmente na mão.

Isso criou uma grande mágoa pro parte daqueles que dependiam dos desenhos para que seu negócio fosse pra frente.  Muitos deles não viam a hora de um dia poder se livrar dessa "corja" para o resto da vida.

Um dia isso aconteceu.

Primeiro foi o computador que, quando apareceu foi uma real ameaça ao reinado desses seres imortais. Eu nessa época estava começando no mercado, vi muito Diretor de Arte dizer com olhos injetados de ódio que, se Deus quisesse, essa "corja" iria morrer de fome em menos de dez anos. Eu vi muita mágoa, muita raiva represada por anos a fio serem descontadas em qualquer pessoa que quisesse viver de desenho.

Eu vi muita gente partir para outras profissões, muita gente, a contragosto, mudar radicalmente o seu modo de vida, pois o mercado já não permitia mais certas excentricidades, e vi muita gente passar fome.

Inclusive eu.

Mas, por essas coisas curiosas que a gente não sabe ao certo, Deus não quis que nós morrêssemos de fome, e praticamente uma década depois foi ressurgindo os desenhistas e ilustradores de suas próprias cinzas, renovados por um enorme furacão que lavou o mercado, encontrando um mercado que não é, de maneira alguma, dependente dos ilustradores, tendo que provar que ilustração é algo útil para a lucratividade de um produto.

Coisa que até agora, nenhum ilustrador conseguiu provar, e a missão continua....

Muita gente, por conta dessa aridez encontrada no nosso campo de trabalho resolveu cair mais na real, admitir que desenhar não é assim uma coisa do outro mundo, resolver ter um pouco mais de pé no chão, mas não soube, ser mais humilde sem ser completamente subserviente.

O desenhista é um bicho complicado, não consegue se encaixar no mundo real, ou vira divindade, ou vira porcaria.

Voltar a cultuar a divindade desenhística (olha um neologismo aí) é, ao meu ver, voltar a uma realidade que ninguém mais engole. Todo mundo sabe que desenhar não é nenhuma credencial para regiões celestiais.

Quem quiser voltar com esse tipo de mentalidade corre o risco de se distanciar do mundo em que vivemos, vai ser uma espécie de fanático alienado, que pensa coisas que o mundo ao seu redor prova que não é assim.

Sinceramente, a única solução que eu encontro é de consciência, trabalho sério, estudo lento e gradativo para mudar a mentalidade do mercado, dos clientes, fornecedores, e ilustradores para que conheçam a verdade sem mitos e sem preconceitos, mas enxergando todas as partes no processo produtivo e criativo como essenciais para que o produto final seja bem sucedido.

Bom, esse é meu ponto de vista.

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  Flavio Roberto Mota

Ilustrador
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