23.9.10

Ensaio sobre o Sistema de Projetos Colaborativos

Nos últimos dias andaram pululando em minha caixa postal de pessoas discutindo, reclamando e denunciando concursos ou ações ditas “colaborativas”, a freqüência com que novos empreendimentos, principalmente pelo fato de que empresas grandes do mercado de comunicação começam a lançar mão desse recurso, me fizeram voltar atenção para esse tema especificamente.

Existem muitas discussões à respeito desse sistema, muita opinião a favor e contra. No entanto é difícil a gente ver uma análise sobre esse sistema para que a gente possa compreender com maior clareza e para que a gente possa ter um posicionamento antes mesmo de apaixonado, mas esclarecido, com algum embasamento.

O problema maior, penso eu, está no sistema em que a humanidade desse planetinha minúsculo adotou a séculos para pautar o seu modo de vida que é o sistema capitalista.

O capitalismo existe desde que o mundo é mundo, desde a época em que os homens viviam nas cavernas e procuraram um jeito que fosse mais eficaz para a convivência social sem os problemas decorrentes do escambo.

Acontece que de lá pra cá muitos pensadores apareceram no mundo, muito se tentou aplicar para tornar o capitalismo menos ruim ou até mesmo para substituí-lo, no entanto todas as tentativas fracassaram.

Mesmo assim, devemos dar o braço a torcer que foi graças as filosofias socialista, comunistas, anarquistas, social-democráticas e liberais o capitalismo atual é menos ruim do que ele já foi um dia, embora esteja longe de chegar num ponto de equilíbrio.

O problema é que, por mais que os sistemas tenham evoluído, acrescidos de princípios éticos e morais, qualquer pessoa que compreende que nesse sistema o mais importante é o dinheiro, não importa o que se faça para que cheguemos ao vil metal, desde que tenhamos dinheiro em nossas mãos.

Justamente as pessoas que focam o dinheiro até hoje são aplaudidos pela sociedade como pessoas de sucesso, se tornam modelos e exemplos a serem seguidos.

Em meio a essa praticidade que o pensamento capitalista puro pode trazer as pessoas, também existe uma quantidade muito grande de líderes bem sucedidos que perceberam que doutrinas sociais se tornam armas importante para fazer com que as massas percam o interesse em lutar com tanto afinco pelo dinheiro, e assim diminuem o acirramento na concorrência e facilitam o trabalho daqueles que não abrem mão do dinheiro a qualquer custo.

A questão é que nem todo mundo tem esse modo de pensar, aonde o que vale é fazer o outro de bobo, mas vivemos num mundo aonde pessoas declaradamente capitalistas se misturam com pseudo-socialistas e socialistas idealistas.

No final das contas o que acaba mandando ainda é o dinheiro e o cara cujo objetivo é apenas ganhar dinheiro acaba saindo em vantagem. Não estou dizendo com isso que o fato de se ganhar dinheiro faz de uma pessoa feliz, satisfeita ou que ela um dia possa vir a usufruir de todas as benesses que o dinheiro ganho pode proporcionar.

Compreendido esse introdução, vamos procurar compreender como uma empresa funciona.

Basicamente, sem que a gente fique especificando do que é uma empresa, podemos dizer que toda empresa tem alguns mecanismo essenciais para que existe e produza:
Compra - é a parte responsável por adquirir matéria prima e estrutura necessária para a produção
Diretoria – é a parte da empresa responsável pelo direcionamento e planejamento do que a empresa será, fará e se posicionará no mercado
Administração – é a parte que organiza o funcionamento da empresa
Produção – é a parte da empresa capaz de fazer o produto/serviço que é o objetivo da empresa
Venda – é a parte da empresa responsável por fazer com que o produto/serviço chegue até o seu público

Uma empresa tem como sua principal fonte de renda, a venda de seus produtos ou serviços. No entanto, existe atualmente outra fonte de renda para uma empresa que é através de venda de espaço publicitário. Isso existe para empresas que podem ter uma presença tão ativa no mercado que seja interessante para outras empresas ter seu nome vinculado a ela e utilizarem um espaço da empresa para mostrar o seu próprio produto ou serviço.

Hoje em dia também existe outra fonte de renda de uma empresa, que é através do licenciamento, aonde a empresa permite o uso da imagem de sua empresa para que outras empresas possam ganhar dinheiro em troca do pagamento de uma porcentagem do ganho obtido com o uso de sua imagem.

No entanto, muitos administradores descobriram outras maneiras de fazer com que o dinheiro que uma empresa lucre seja maior, uma vez que a empresa passe por algum processo de crise criativa, ou chegue no auge da sua capacidade de lucrar que é justamente diminuindo os gastos.

Esse princípio não é necessariamente errado ou antiético, uma vez que ele possa corrigir abusos como desperdício de dinheiro ou falta de foco de uma empresa com atividades de alto custo e pouco retorno financeiro.

Acontece que esse princípio básico já foi a muito tempo usado nas empresas e os seus administradores perceberam que também dá para aumentar o lucro das empresas contando outros gastos que não são necessariamente supérfluos.

Como seria isso?

Cortando gasto com os fornecedores, adquirindo matéria prima mais barata, mesmo que ela seja de qualidade inferior (coisa que fatalmente irá acontecer); fechando contrato de fornecimento em quantidade, diminuindo o valor unitário do material comprado,mas ainda oferecendo pelo volume negociado uma boa vantagem para o fornecedor. Também é possível demitir funcionários mais velho e com melhor salário e contratar funcionários novos por menos da metade do salário.

A questão nesse caso é que a primeira opção é mais elástica que as demais e mais viável principalmente para empresas cuja matéria prima não seja adquirida em quantidade.

Ilustradores são basicamente fornecedores de matéria prima para empresas de comunicação e eles são justamente um dos objetos dessa política de aumento de lucratividade das empresas através da diminuição dos custos..

Isso somado ao aumento vertiginoso de novos ilustradores no mercado, faz com que a situação seja da forma como já conhecemos.

Acontece que existe um limite saudável de diminuição de valores pagos por uma matéria prima e a aquisição de matéria prima com qualidade mínima capaz de oferecer alguma vantagem na hora do produto de uma empresa entrar no mercado.

Chega-se em um momento em que o valor baixo compromete e muito a qualidade final do produto oferecido que o produto perde seu atrativo para o consumidor e as suas vendas despencam. Aí aquilo que era lucro vira um prejuízo aonde será impossível reverter a situação pois os custo já foram cortados ao máximo e não existe nenhum investimento criativo capaz de fazer surgir alguma novidade no produto capaz de chamar a atenção do consumidor para aquele produto.

Fatalmente, esse processo terá como desfecho a falência da empresa.

Para evitar que o sistema adotado acabe com a falência da empresa, ou para que novas empresas possam ter condições de entrar no mercado e sobreviver com menos capacidade de retorno financeiro de seu produto/serviço, alguns administradores mais atentos começaram a lançar mão de princípios que fazem parte de filosofias socialistas, comunistas e anarquistas para se chegar a uma solução viável.

É aí que entra o sistema de projetos colaborativos: cria-se apenas para os fornecedores de matéria prima a possibilidade dos mesmos utilizarem o produto/serviço da empresa como escada profissional, permitindo a visibilidade da matéria prima do fornecedor.

Dessa maneira, o fornecedor irá fazer questão de oferecer uma matéria prima de qualidade, já que é de interesse dele fazer com que as pessoas saibam que a sua matéria prima é de qualidade, a custo zero.

Isso faz com que caiam as últimas barreiras possíveis do sistema, a empresa consegue diminuir ainda mais o seu custo e existe a possibilidade do seu produto voltar a ter a mesma qualidade que tinha antes e reconquistar o seu espaço perdido no mercado.

Para a empresa em questão, essa é a última barreira possível, e os administradores talvez não tenham percebido que abaixo desse ponto ninguém mais consegue chegar, mas a elas ainda restará mais algum tempo de sobrevivência, e essas mesmas empresas se apegam aos seus projetos colaborativos com unhas e dentes, pois sabem que é a última tábua a boiar no náufrago mercado lógico causado pelas suas más escolhas administrativas ao longo dos anos, só que eu aposto com quem quiser que essa tábua ainda não será a tábua da salvação.

Agora, o que o fornecedor ganha com esse sistema colaborativo?

Bem... a princípio o fornecedor ganharia uma espécie de espaço publicitário...

Eu sei que muita gente ao chegar nesse ponto do texto se pergunta: e o que tem de errado nisso?

Eu respondo para você: o que tem de errado é outro princípio básico que rege a organizações das sociedades desde sempre e que eu ainda não mencionei: O Estado de Direito.

O conceito básico do estado de direito é que para todo direito existe um dever. Num estado baseado em padrões médios de civilidade as pessoas recebem benefícios em troca de obrigações, e tanto um quanto outro são equivalentes. Ter o direito a algum benefício só existe quando o seu dever é de igual teor.

No Brasil esse conceito de Estado de Direito é muito mal compreendido ainda nos dias de hoje. Vemos pessoas que nunca contribuíram com um único imposto terem direito a programas sociais, enquanto outras pessoas pagam uma carga tributária absurda em troca de coisa alguma.

Vivemos num país aonde o direito virou vantagem e o dever virou prejuízo. Vivemos num Estado de Vantagem.

Por isso mesmo acaba sendo muito difícil para cada um de nós compreendermos essa relação de direitos e deveres, essa relação de que cada coisa que eu faço tem que obrigatoriamente me trazer de volta um benefício de igual teor.

Agora eu volto a fazer a pergunta: O que o fornecedor ganha com um projeto colaborativo?

Propaganda de graça? Só se a empresa ceder um espaço de igual tamanho ao da imagem que o ilustrador fez para criar um anúncio seu.

Ah, mas o artista pode assinar a sua obra. Assinatura de obra não é propaganda, é apenas uma forma de identificar o autor, nada mais do que isso. Isso entra dentro do direito inerente ao autor de uma obra ter sido o responsável pela obra, é o direito de um autor ser reconhecido pelo seu trabalho.

Uma propaganda pressupõe uma série de outras coisas, como estudo do público alvo e a confecção de uma peça capaz de atingir seu público alvo. É possível que com uma imagem que será utilizada para ilustrar uma matéria determinada se conseguir incluir elementos com objetividade suficiente para, ao mesmo tempo ilustrar a matéria e vender o artista? Eu divido...

E para estampar uma camiseta? Mas, entre os projetos colaborativos de estampa para camiseta existe uma premiação. Mas não existe qualquer contrapartida para os demais ilustradores.

Um sistema colaborativo seria justo se uma empresa de estampa chamasse UM ilustrador para fazer uma estampa e premiasse o trabalho do ilustrador.

Numa sociedade aonde existe um estado de direito TODO trabalho é recompensado, não somente os melhores trabalhos.

Agora, vamos fazer algumas suposições: Se o trabalho é colaborativo, então os fornecedores poderiam ter a sua contrapartida, ao invés do pagamento em dinheiro com algum benefício que fosse equivalente. A empresa que oferece o sistema colaborativo poderia, por exemplo se responsabilizar pelo pagamento das despesas de internet do seu fornecedor, ou oferecer gasolina por um mês para o seu fornecedor, Ou um mês de aluguel do seu estúdio pago pela empresa.

Enfim, uma mão lava a outra. O ilustrador colabora com o projeto da empresa e a empresa colabora com o projeto do ilustrador.

Agora, outra coisa que é muito curiosa é que o projeto só é colaborativo no que diz respeito ao fornecedor.

Se uma empresa adota o sistema de projetos colaborativos deve adotar o colaborativismo em 100% de sua empresa.

Ou seja: os funcionários trabalham em troca de divulgação, o contador trabalha em troca de divulgação, os espaços publicitários não devem ter custo, as demais matérias primas como tinta, papel etc. devem ser fornecidas de graça e, principalmente, o produto que a empresa realiza deve ser oferecido gratuitamente para todo mundo.

Agora, como uma Camiseteria quer me convencer a trabalhar de graça para ela se ela me cobra por uma camiseta sua? Como uma Trip vai me convencer a trabalhar de graça para ela se eu tiver que pagar para ter a Trip? Como uma Zupi vai querer que eu forneça meu trabalho de graça se ela cobra para eu ter a revista?

Aliás, essas empresas tem três formas de renda, conforme nós já citamos no início desse texto, e eu duvido que elas abram mão de suas rendas possíveis em nome do colaborativismo.

Portanto, eu me vejo obrigado, por tudo isso a chegar à conclusão de que o colaborativismo é um grande engodo, falsidade ideológica, golpe, tentativa de estelionato.

Cabe a cada um de nós porém, ter o direito de compreender na integra como é o sistema de projetos colaborativos e o dever de ensinar e divulgar a realidade para o maior número de colegas de profissão possível.

Eu somente aceitarei um sistema baseado em princípios socialistas ou anarquistas quando forem feitas por empresas que adotam esse sistema em todos os momentos e departamentos internos.

Caso contrário eu continuarei acreditando que a melhor contrapartida para um trabalho realizado é a remuneração.

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