9.6.10

Crítica para a autocrítica

Não é muito difícil encontrar pessoas que, ao serem interpeladas quanto às dificuldades profissionais que passam na profissão de ilustrador, dizerem coisas como: o baixo preço ou a baixa qualidade que outros profissionais ou pretensos profissionais tem jorrado no mercado profissional é a causa dos meus problemas.

No entanto, já faz um bom tempo que eu venho notando uma coisa bastante peculiar, coisa que eu fui percebendo pelo meu próprio comportamento, pois muitas vezes eu peguei a mim mesmo reclamando do que seria erros cometidos por outras pessoas.

Confesso que eu perdi muito tempo de minha vida apontando este ou aquele, porque um faz tal erro, outro faz tal coisa e assim por diante. Mas, uma hora me caiu um certa ficha: o que EU faço?

Reclamo?

E desde quando reclamar é fazer algo de útil?

Se ninguém faz nada que presta, infelizmente eu preciso dar o braço à torcer que eu também não ando fazendo absolutamente nada que presta. O mundo não vai mudar, nem pessoa alguma irá mudar porque eu quero que elas mudem, por mais que eu venha a ter razão em querer que mudem. Cada um de nós somente muda para melhor à partir do momento em que tem a consciência de que precisa se melhorar e, infelizmente cada um de nós somente tem capacidade e poder para mudar apenas a si mesmo, desde que tenha consciência e queira mudar.

Reclamos que os preços que OS OUTROS cobram é baixo, mas espera um pouco... será a gente nunca abaixou o preço do nosso trabalho para conseguir um jobzinho ou pra conquistar aquele cliente que seria tão especial? Será que nenhum de nós já não topou fazer um trabalho de graça em troca da divulgação de nosso nome? Será que nenhum de nós já não aceitou contratos leoninos somente para ter um desenho NOSSO aparecendo nessa ou naquela revista?

Precisamos ter uma autocrítica mais imparcial. Quantas vezes não decidimos tomar um caminho profissional não porque esse caminho é o melhor profissionalmente, mas que esse é o sonho que eu tenho desde a minha infância.

Sonhar é imprescindível para que o ser humano continue se sentindo vivo, mas para se sonhar e fazer com que o sonho se torne realidade é preciso antes de mais nada ter consciência de que seu sonho jamais deverá transformar a realidade de outra pessoa em pesadelo.

Por cima de quantas pessoas você é capaz de passar para conquistar seu sonho ou seu objetivo? Quantos outros sonhos você seria capaz de destruir para realizar apenas o SEU SONHO? Quantos mercados e profissionais precisarão ser devastados por um exército de sonhadores que sequer acordam para ver que ao marcharem em busca do seu jardim do Éden, estão transformando o mundo num inferno aonde não cresce nem erva daninha...

Infelizmente temos a mania de, quando o assunto são os direitos, olharmos sempre para fora, pois eu tenho direto de ganhar isso ou aquilo do governo, do mercado, do concorrente, no meu pai, do meu vizinho, da minha esposa; só que quando o assunto é dever, aí a gente olha pra fora, meu concorrente tem o dever de cobrar mais pelo seu trabalho, tem o dever de melhorar o seu traço a sua técnica, minha esposa tem o dever de limpar toda a casa e ainda por cima deixar a comida prontinha pra eu chegar em casa e só jantar, meu pai tem o dever de pagar as minhas contas quando eu não tenho dinheiro pra pagar...

Precisamos acordar e ver que a realidade somente será melhor no dia em que nós mudarmos a nós mesmos. Senão continuaremos destruindo tudo a nossa volta em nome de nossos sonhos, e uma coisa eu posso garantir para qualquer um é que ninguém sequer conseguir ter o mérito de usufruir de seu sonho espalhando e semeando a destruição a sua volta.

Infelizmente temos atualmente esse terrível dom, o da destruição, enquanto que um ilustrador deveria ser uma pessoa consciente que deveria auxiliar a construir um mundo, uma sociedade melhor, justa e correta.

Precisamos olhar para o lado e ver se aquele tal iniciante precisa de uma mão e estender essa mão. Não devemos sair por aí carregando todo mundo nas costas, mas ser menos egoísta em nossos direitos e no direito de sonhar para perceber que o outro também tem esse direito pode ajudar a todos e muito.

E na hora de ver o que está errado, eu acredito que está mais do que na hora da gente olhar pra dentro, ver o que cada um de nós faz de errado e nos esforçarmos para fazer mais, melhor e com menos erros.

O outro desenha mal? Poderia ter uma técnica melhor, saber pintar, utilizar melhor os programas de computador, aumentar o cabedal de conhecimento, ter mais cultura? E você, não precisa nada?? Por que ao invés de pensar que o outro precisa estudar, você não estuda? Por que ao invés de querer que o companheiro do lado melhore a qualidade do trabalho você não se esforça para melhorar a qualidade DO SEU?

Prestemos atenção no panorama atual da relação entre ilustradores: ilustrador A acha que ilustrador B precisa melhorar seu trabalho porque tem um trabalho ruim e está ajudando a afundar o mercado vendendo um trabalho tão ruim e espera uma atitude de B de maneira impaciente sem se mover. No entanto, ilustrador B sabe que o trabalho de ilustrador C, embora seja bom, é muito mais barato que o seu trabalho e exige que C melhore seus valores porque com os precinhos açucarados de C o mercado está afundando e B não irá se mover enquanto C não tomar uma atitude. Já o ilustrador C, percebe o quando o ilustrador A está prejudicando o mercado pelo sua falta de conhecimento sobre as coisas, pois sempre faz trabalhos em que se percebe que A sequer foi atrás de referência. No entanto, C exige que A tenha uma postura profissional adequada e enquanto A não se mexer, C também não irá mover uma palha.

Em comum todos os três enxergam somente o erro alheio.

Infelizmente esses três são o resumo do mercado inteiro.

Você tem certeza que o seu trabalho é o melhor trabalho que VOCÊ poderia fazer? Será que você não tem esse estilo e adota essa técnica porque não se recusa a estudar, porque se recusa a se esforçar para ter um trabalho melhorzinho, porque se recusa a ter mais conhecimento? porque se recusa a usar mais materiais e materiais melhores? porque se recusa a aprender a usar os softwares em toda a sua capacidade? porque se recusa a rascunhar mais, a ir atrás de mais referência, a realizar mais estudos para os trabalhos que você faz, a treinar estilos e técnicas mais variadas?

Você tem certeza de que o seu trabalho custa o preço mais correto que VOCÊ poderia cobrar? Será que você cobra esse valor porque nunca procurou pesquisar o valor de outros profissionais? Você já procurou saber quanto se pagava por esse mesmo trabalho a cinco anos atrás, a dez anos atrás, a vinte anos atrás? Você sabe se o seu trabalho dá retorno financeiro para seu cliente? Você sabe se caso você fizesse esse mesmo trabalho em outra técnica ou caprichasse mais o retorno para o seu cliente seria melhor, permitindo que você, por sua vez possa cobrar mais pelo seu trabalho? Você já procurou se especializar em desenvolver uma técnica, um estilo que proporcione ao seu cliente maior eficácia em seu ramo de negócio?

Você acha que o seu trabalho não pode ser melhor do que já é? Você acha que não existe capacidade de seu trabalho ser melhor? Você já viu como era o trabalho dos ilustradores que estavam no mercado a 10, 20 ou 30 anos atrás? Se eles faziam coisas melhores do que você faz, você já parou pra pensar que você também poderia ter um trabalho tão bom quanto o deles? Você já parou pra pensar que os mestres não são mais do que você é? Só que eles estudaram e se esforçaram bem mais do que você? E que por isso ele é um mestre? Nenhum dos grandes mestres da pintura, do desenho ou da ilustração veio de outro planeta, nenhum nasceu com seis dedos, nenhum deles tinha poderes sobrenaturais, nenhum deles tinha três olhos, duas bocas, visão de raio-X e nem sabia voar. Todos eles sempre foram iguaizinhos a cada um de nós.

Então porque o trabalho deles é tão melhor do que o nosso?

Já parou pra pensar que é porque eles, ao invés de ficar esperando que o outro fizesse, sabiam que teriam eles mesmos de fazer a parte deles?

Ah, já sei. Você é um daqueles em estilo neo-bicho-grilo que acha que estilo é coisa pessoal, que não dá para julgar, que é coisa que vem da alma, é uma característica do espírito livre de cada um, é a expressão máxima de seu ser, e tudo mais.... Eu tenho uma notícia péssima pra você: você não serve para ser ilustrador. Infelizmente a realidade é essa. Seu cliente não vai engolir esse conversa regada a marijuana. Ninguém vai colocar um centavo que seja num trabalho cujo objetivo você sequer consegue argumentar de maneira objetiva.

Eu somente espero que vocês entendam uma coisa: os seus clientes querem ganhar dinheiro com o seu desenho.

Portanto, bom ilustrador é aquele que ilustra de maneira a auxiliar o sucesso das vendas de seu cliente.

Ilustrador genial é aquele que sabe auxiliar o sucesso de vendas de seu cliente com trabalhos de beleza e técnicas fora de qualquer dúvida.

Mas isso é uma coisa que você pode conseguir para você, desde que você queira por mérito e esforço próprios se esforçar para isso.

O nível técnico do mercado somente irá melhorar se cada um se esforçar para melhorar seu próprio nível técnico.

O nível cultural do mercado somente irá melhorar se cada um se esforçar para melhorar o seu próprio nível cultural.

O valor do trabalho somente irá melhorar se cada um de nós se esforçar para melhorar seu trabalho sua técnica, sua estrutura de trabalho sua consciência de mercado, sua consciência do que seu cliente precisa de você e querer ser útil ao seu cliente e se cada um de nós estudar mais, treinar mais, desenhar mais e mais.

Não adianta querer, sonhar, nem eu ficar aqui escrevendo textos quilométricos se eu em cinco minutos não voltar para a minha prancheta e me esforçar para que o trabalho realizado hoje seja melhor do que o trabalho que eu realizei ontem.

Se cada um de nós fizer exatamente a sua parte, o mercado não vai mudar, não para quem está no patamar que está, mas quem sobe de patamar pelo seu próprio esforço participa de mercados igualmente melhores.

O problema é que existe um grande número de profissionais num patamar baixo e sem esforço para elevar o seu próprio patamar de qualidade de trabalho, todo mundo vai continuar nesse mesmo patamar, com os clientes te tratando da forma como trata hoje em dia, porque os clientes serão os mesmos, mas a relação será outra.

Isso tudo significa que não é o mundo que muda pois o mundo é, quem muda somos nós, e dessa maneira mudamos a posição que tomamos no mundo.

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